A Mashīah como testemunho da misericórdia de Allah e da beleza do Islã
O processo da mashīah, isto é, a condução de uma pessoa ao Islã, constitui um testemunho da misericórdia de Allah e da harmonia interna do sistema espiritual islâmico. Em sua totalidade, a mashīah não se reduz a um evento isolado de conversão ou despertar espiritual, mas representa um fenômeno teológico dinâmico, que reflete a interação entre a vontade divina, o esforço humano e a realização do propósito existencial do ser humano.
Sob a perspectiva da aqidah [doutrina], a mashīah se desdobra em três dimensões fundamentais e interdependentes. A primeira dimensão é a orientação divina soberana, que se manifesta na afirmação corânica: “Allah guia quem Ele quer para o caminho reto” (Qurʾān 2:213).
Essa dimensão reconhece a prerrogativa exclusiva de Allah como o al-Hādī [O Guia], cuja orientação transcende qualquer mérito humano prévio. A orientação inicial é, portanto, um ato de pura graça [raḥmah], em que Allah abre o coração do indivíduo à receptividade da verdade.
A palavra mashīah, de raiz masaha “tocar”, “ungir”, “limpar” possui um significado mais amplo do que profético. Ela simboliza o toque divino sobre o coração humano, o momento em que Allah purifica, cura e orienta o ser humano com Sua misericórdia.
Assim, o processo da mashīah pode ser entendido não apenas como um evento histórico, mas como um movimento contínuo da orientação divina em cada alma que é conduzida à fé. “Allah é a Luz dos céus e da terra.” (Surata An-Nūr, 24:35)
Essa luz é a essência da mashīah. Um ato de misericórdia que ilumina, transforma e conduz o ser humano da ignorância à submissão, e da dispersão ao retorno. O Qurʾān afirma repetidas vezes que toda orientação é expressão direta da misericórdia de Allah:
“E se não fosse pela misericórdia de Allah sobre ti, jamais alguém de vocês seria purificado.” (Surata An-Nūr, 24:21)
A raiz masaha também é usada em contextos de purificação física (como o masḥ nas abluções). Espiritualmente, a mashīah é o toque purificador de Allah sobre o coração quando Ele o limpa das impurezas do ego (nafs), das dúvidas e da escuridão do erro).
Essa purificação não é apenas um ato de correção, mas um ato de compaixão criadora:
Allah recria o servo na fé, como recriou Adão do barro e insuflou nele o espírito (rūḥ).
“Então Ele o modelou e soprou nele de Seu Espírito.” (Surata As-Sajdah, 32:9)
Cada pessoa guiada experimenta, espiritualmente, esse mesmo sopro uma nova criação, um renascimento pela luz da fé.
A submissão, a luz e o retorno
O Islã é descrito no Qurʾān como “ṣirāṭ Allāh” o caminho de Allah. Daí extraímos que o processo da mashīah revela as três belezas estruturais da religião: a submissão, a luz e o retorno.
A primeira beleza é a submissão à vontade de Allah. Quando o coração é tocado pela mashīah, ele se rende não por coerção, mas por reconhecimento da Verdade. Essa submissão é paz:
“Aquele que se submete seu rosto a Allah e é benfeitor, tem firme apoio junto de seu Senhor.” (Surata Luqmān, 31:22)
A segunda beleza é a luz que dissipa as trevas interiores. A mashīah é a passagem da escuridão para a luz como o Qurʾān descreve:
“Allah tira os crentes das trevas para a luz.” (Surata Al-Baqarah, 2:257)
Essa luz não é material, mas intelectual e espiritual. É a luz do conhecimento, da certeza e da lembrança constante (dhikr).
A terceira beleza é o retorno ao Criador. Toda orientação é, na verdade, um regresso à origem:
“Em verdade, somos de Allah e para Ele retornaremos.” (Surata Al-Baqarah, 2:156)
A mashīah é, portanto, o ciclo completo da alma criada por Allah, afastada por sua limitação e conduzida novamente à presença d’Ele purificada e consciente.
A mashīah não é apenas uma ideia. A mashīah é um fenômeno observável no coração dos servos guiados. Cada conversão sincera, cada arrependimento verdadeiro, cada retorno à oração ou à fé é uma manifestação viva dessa misericórdia.
O crente sente internamente o toque da mashīah quando percebe o coração se abrir ao bem e sente repulsa pelo pecado. O crente chora por arrependimento e encontra prazer na obediência. Esses sinais são āyāt interiores, ou seja, milagres pessoais da orientação divina.
A mashīah também se manifesta coletivamente quando comunidades inteiras voltam à prática do Islã, quando um povo revive a justiça e a caridade, quando a luz da fé se espalha entre os oprimidos.
Assim, a mashīah é uma pedagogia da misericórdia, pois Allah mostra que continua ativo no mundo, conduzindo almas à luz, sem distinção de origem ou passado.
“Por certo, Allah não muda a condição de um povo até que mudem o que há em si mesmos.” (Surata Ar-Raʿd, 13:11)
Dimensões do mashīah
Teologicamente, o Islã não separa a verdade [ḥaqq] da beleza [jamāl].
O que é verdadeiro é também belo, porque provém de Allah, “O Belo que ama a beleza” (Inna Allāha jamīl wa yuḥibbu l-jamāl .ḥadīth autêntico).
A mashīah, sendo o processo pelo qual Allah guia, cura e acolhe, é a forma mais bela da interação entre Criador e criatura. É a estética da misericórdia em ação em que o coração, antes endurecido, se amolece, o olhar, antes cego, enxerga e a A língua, antes silenciosa pronúncia lā ilāha illā Allāh.
Isso é beleza porque é vida e Allah é “Aquele que dá vida aos corações mortos”.
A primeira dimensão da mashīah é a orientação divina soberana, que pertence exclusivamente a Allah, conforme o versículo:
“Por certo, tu [ó Muhammad] não guias a quem amas, mas Allah guia quem Ele quer, e Ele é mais conhecedor dos que se deixam guiar.” (Al-Qurʾān, 28:56)
Ibn Taymiyyah, em Majmūʿ al-Fatāwā (vol. 14, p. 366), distingue entre dois tipos de hidāyah: a orientação geral [bayān wa irshād], que é o esclarecimento da verdade e a orientação específica [tawfīq wa ilhām], que é o ato divino de abrir o coração para aceitá-la. A mashīah pertence a esta segunda categoria a orientação do coração, impossível sem o auxílio divino.
Al-Ghazālī, em Iḥyāʾ ʿUlūm al-Dīn (Kitāb al-Tawbah), descreve esse momento como o “despertar da luz interior” [tanbīh al-qalb], uma intervenção misericordiosa de Allah que rompe o véu da negligência [ghaflah]. Assim, a primeira dimensão da mashīah revela a [raḥmah] divina como o ponto de partida de toda jornada espiritual.
A segunda dimensão envolve a resposta do ser humano à orientação inicial, expressa por meio da busca sincera pela verdade e pela submissão à vontade divina. Essa busca é um reflexo da fiṭrah a natureza inata criada em harmonia com o monoteísmo conforme o versículo:
“Volta o teu rosto para a religião, sendo monoteísta, conforme a natureza primordial (fiṭrah) com a qual Allah criou os homens.” (Al-Qurʾān, 30:30)
Ibn al-Qayyim, em Madarij al-Sālikīn (vol. 1, p. 245), explica que o movimento da alma em direção a Allah é impulsionado por dois fatores: a inspiração divina [ilhām] e a intenção sincera [niyyah ṣādiqah]. Assim, o ser humano participa ativamente da mashīah quando responde ao chamado interior do conhecimento e da purificação.
Al-Ghazālī também afirma que a busca da verdade é um sinal de predestinação à guia divina: “Aquele que procura sinceramente é já guiado em seu ato de procurar” (Iḥyāʾ, vol. 4). Isso mostra que, mesmo na ação humana, há um reflexo da vontade divina operando em silêncio.
A terceira dimensão é a realização plena da orientação, quando Allah conduz a pessoa a abraçar o Islã. É o ponto em que a busca interior encontra o decreto divino.
“E aqueles que são guiados, Ele aumenta-lhes a orientação e concede-lhes a sua piedade.” (Al-Qurʾān, 47:17)
Ibn al-Qayyim descreve este estágio como al-hidāyah al-thāniyah a segunda forma de guia que não apenas conduz à verdade, mas firma o coração nela (Madarij al-Sālikīn, vol. 2, p. 338). É a etapa em que o servo retorna à sua origem espiritual, realizando o sentido do Islã como submissão, luz e retorno. O Profeta ﷺ disse:
“Quem Allah quer guiar, Ele abre o seu peito ao Islã.” (Ṣaḥīḥ al-Bukhārī, 4696; Ṣaḥīḥ Muslim, 2865)
Essa abertura do peito é o sinal visível da mashīah consumada, ou seja, o momento em que a misericórdia de Allah se traduz em luz interior e o ser humano encontra repouso no reconhecimento de seu Senhor.
A mashīah é o espelho no qual o ser humano vê refletida a ternura do seu Criador um toque que desperta, uma luz que revela, uma estrada que retorna.
“E Allah convoca à Morada da Paz, e guia a quem quer para o caminho reto.” (Surata Yūnus, 10:25)
Assim, a mashīah não é apenas uma crença, mas uma experiência em que o coração humano torna-se campo da misericórdia, o corpo se torna instrumento da fé e a vida se torna o próprio testemunho da luz de Allah.
O processo completo da mashīah é, portanto, um testemunho vivo da misericórdia de Allah e da beleza do Islã. Ele revela a harmonia entre a soberania divina e a liberdade humana: Allah guia quem Ele quer, o ser humano busca, e Allah o leva de volta à luz. Como afirma al-Rāghib al-Aṣfahānī em al-Mufradāt fī Gharīb al-Qurʾān,
“a verdadeira guia é o retorno àquilo para o qual o ser foi criado: o reconhecimento e a adoração do Único”.
A mashīah, nesse sentido, é mais que conversão é um retorno ontológico à origem, uma reconciliação entre o coração e seu Criador, e uma manifestação contínua da raḥmah que permeia toda a criação.
Para os muçulmanos a mashīah é o lembrete vivo de que Allah nunca se esquece de quem busca a verdade. O toque divino que a conduziu ao Islã é o mesmo que continua a guiá-la, purificando suas intenções e fortalecendo sua fé a cada oração, a cada aprendizado e a cada ato de paciência.
A sua história não é apenas uma mudança de crença, mas uma renovação da alma um testemunho pessoal da misericórdia de Allah e da beleza eterna do Islã. Pois quem foi tocado pela mashīah carrega em si a marca da luz: um coração que aprendeu a ver o mundo com os olhos da fé e a caminhar com serenidade em direção ao Criador.
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