O Qurbānī, também chamado de Uḍḥiyah é uma prática de grande significação teológica no Islã, associada à celebração do ʿĪd al-Aḍḥā, a festa do sacrifício que é comemorada no 10º dia do mês de Dhū al-Ḥijjah, último mês do calendário islâmico.

Trata-se da rememoração do episódio profético envolvendo o Profeta Ibrāhīm (sas) e seu filho, em um teste supremo de submissão e fé, relatado no Alcorão (37:99–111).
Essa prática não é meramente ritualística, mas está profundamente enraizada nos princípios da taqwā (piedade consciente), da ubūdiyyah (servitude a Deus) e da solidariedade social. O sacrifício é um ato de adoração prescrito na Revelação. A base textual encontra-se no Alcorão:
Nem a carne nem o sangue deles chegam a Allah, mas o que Lhe chega é a vossa piedade (taqwā). (Qurʾān 22:37)
Esse versículo estabelece que o valor do sacrifício não reside em seu aspecto físico, mas na intenção e na devoção sincera do crente. A prática do Qurbānī é um símbolo de entrega absoluta à vontade divina, reafirmando o monoteísmo puro (tawḥīd) e a obediência como fundamentos da fé islâmica.
A narrativa do sacrifício remete ao momento em que Ibrāhīm sonha que deve sacrificar seu filho Ismāʿīl (sas), e ambos se submetem ao comando divino:
Quando ele atingiu a idade de acompanhá-lo, disse [Ibrāhīm]: ‘Ó meu filho, vi em sonho que devo sacrificar-te. O que achas?’ Ele respondeu: ‘Ó meu pai, faze o que te foi ordenado; encontrarás em mim, se Allah quiser, um dos pacientes.(Qurʾān 37:102)
Este episódio simboliza a total entrega à vontade de Allah, tanto do pai quanto do filho, sendo Ismāʿīl um modelo de submissão e fé desde a juventude. O evento encerra com a substituição do filho por um carneiro, mostrando que Allah aceita o espírito do sacrifício mais do que o próprio ato.
Na jurisprudência islâmica (fiqh), o Qurbānī é considerado:
- Wājib, obrigatório, para os seguidores da escola ḥanafī que possuem capacidade financeira durante os dias de Eid.
- Sunnah muʾakkadah, altamente recomendada, segundo as demais escolas (mālikī, shāfiʿī e ḥanbalī).
Para ser válido, o sacrifício deve seguir critérios específicos:
O animal deve ser de uma das espécies permitidas: camelo, boi, ovelha ou cabra.
Deve ter idade mínima adequada (por exemplo, no mínimo 1 ano para ovelhas).
O sacrifício deve ocorrer após a oração do Eid, durante os dias de Tashrīq, 10 a 13 de Dhū al-Ḥijjah.
O nome de Allah deve ser pronunciado no momento do abate: Bismillāhi Allāhu Akbar.
O Qurbānī cumpre também uma função social. A carne do animal é dividida tradicionalmente em três partes:
Uma para o ofertante e sua família,
Uma para os amigos e vizinhos,
E uma para os necessitados.
Esse princípio reflete os valores de partilha, compaixão e responsabilidade comunitária que são essenciais no Islã. Ao incluir os pobres, o Qurbānī promove justiça social e reforça os laços de irmandade.
O Qurbānī não é apenas uma tradição comemorativa, mas uma poderosa manifestação de fé, da ética islâmica e da responsabilidade social. Ele reconecta o crente à história profética, reforça o pacto com o Criador e aprofunda a consciência espiritual por meio do desprendimento material.
O verdadeiro sacrifício não está no animal, mas no ego, na arrogância e na resistência interior. O Qurbānī, quando vivido com sinceridade, é um renascimento da alma que reconhece que
Minha oração, meu sacrifício, minha vida e minha morte pertencem a Allah, Senhor dos Mundos. (Qurʾān 6:162).
Madrassa al Jannah – Centro Estudos Islâmicos
